Relatório apresentado em
conferência da ONU destrói o mito e diz que, apesar de sermos a sexta maior
economia do planeta, há 24 países em que a população é mais feliz.
Sempre
com um sorriso no rosto, independentemente das adversidades. Dono de um bom
humor sem fim e de uma capacidade ilimitada de receber bem o próximo, mesmo
quando ele vem de outro país e não fala a nossa língua. O brasileiro tem a fama
de ser o povo mais feliz do mundo e o principal motivo seria a bênção de nascer
em um país ensolarado, com paisagens belíssimas, poupado de cataclismos, de
ataques terroristas e conceitos religiosos ou étnicos. Mas seria isso
suficiente para alcançar o topo do ranking mundial da felicidade? A resposta é
não, de acordo com o relatório divulgado na 1ª Conferência das Nações Unidas
sobre a Felicidade e o Bem-Estar, realizada em Nova York, em um momento em que
a ONU defende um novo parâmetro para medir o desenvolvimento dos países, o
Índice de Felicidade Bruta (FIB), criado no Butão.
O
Brasil aparece em 25º lugar no ranking da pesquisa, que leva em consideração
fatores como a distribuição da riqueza, a oferta de emprego, o acesso aos
serviços básicos, como saúde e educação, a ausência de corrupção e o respeito
ao meio ambiente.O Relatório Mundial da Felicidade foi elaborado pelo Instituto
Earth, da Universidade de Columbia, que analisou dados recolhidos entre 2005 e
2011 em 156 países. No topo, aparecem os povos dos países nórdicos, que não são
necessariamente os mais ricos, mas têm acesso a ótimos serviços básicos. Dinamarca, Noruega, Finlândia e Holanda
lideram o mundo no que se refere à felicidade bruta, contrastando com países
como o Togo, Benim, República Centro-Africana ou Serra Leoa, no extremo oposto.
Os Estados Unidos ficaram em 11º lugar, Israel em 14º e o Reino Unido em 18º.
Indicador
brasileiro
O
Brasil é hoje o sexto maior Produto Interno Bruto (PIB) do mundo e está em 84º
lugar em termos de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Podemos dizer então
que o brasileiro é feliz? “Para mim, não”, avalia o professor Fábio Gallo, que
coordena o recém-criado Núcleo de Estudos sobre a Felicidade e o Comportamento
Financeiro, da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), junto com o colega Wesley
Mendes.
O
núcleo, que está antenado com a economia comportamental, escola em voga no
exterior há pelo menos uma década, desde que os americanos Michael Spence e
Joseph Stiglitz ganharam o prêmio Nobel, prepara-se para medir a felicidade do
brasileiro. Todavia, não vai seguir obrigatoriamente os parâmetros da ONU em
relação ao tema.“Nós não queremos reproduzir a Felicidade Interna Bruta (FIB)
como está montada para o Butão.
Queremos
criar um indicador que permita observar os padrões de bem-estar próprios para o
brasileiro. O FIB é um indicador com 73 variáveis, nove indicadores macros, mas
para um povo que vive uma cultura muito própria, é um reinado, tem população
pequena. Não tem como dizer que aquele indicador seja adequado para o Brasil”,
explica o professor Gallo.“Hoje, as principais políticas públicas de bem-estar
nascem da esfera federal e não costumam refletir as necessidades dos
municípios, por exemplo. Por isso, não queremos ter só um número, queremos
ferramentas para os governantes e empresários se orientarem sobre as
necessidades de cada população”, acrescenta. A proposta da FGV é criar uma
metodologia que permita medir padrões de bem-estar, com pesos diferenciados
para os mesmos fatores, de acordo com a região, o gênero e a faixa
etária.“Wesley fez no ano passado uma pesquisa sobre comportamento financeiro e
no final se perguntava sobre a felicidade. Este
estudo já mostrou que há diferentes padrões de bem-estar, de acordo com o lugar
em que se vive”, diz o professor Gallo.“A principal preocupação dos paulistanos
era com a segurança pessoal, enquanto a principal satisfação era fruto das
perspectivas de crescimento acadêmico. Entre os gaúchos, a preocupação surgia
da expectativa de conseguir um bom trabalho. A satisfação vinha de uma boa vida
social”, exemplifica.Para montar o novo índice, a FGV-SP está fechando
parcerias para coletas de dados. Um dos possíveis parceiros para a pesquisa é o
movimento não governamental Mais Feliz, que reivindicou, com sucesso, a
inclusão da felicidade como tema na Conferência das Nações Unidas sobre o
Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.
Na
opinião do ativista e publicitário que lidera o movimento, Mauro Motoryn, a
inovação tecnológica deve levar as pessoas a participarem da administração
pública em tempo real e online, via celular ou computador. “Teremos no futuro
uma sociedade mais viva e participativa. Isso é bom para os administradores
competentes, porém, cruel para os desavisados”, alerta Motoryn, que acaba de
lançar uma plataforma para celular, tablet e via facebook que avalia o nível de
satisfação da população em tempo real, disponível no site www.myfuncity.org.
O
Myfuncity permite medir a felicidade e saber quais são as reivindicações do
cidadão em qualquer lugar do Brasil. O aplicativo possibilita gestão pública por
meio da tecnologia digital das redes sociais, permitindo que os cidadãos
avaliem a qualidade das cidades a partir de 12 indicadores relacionados ao
trânsito, segurança, meio ambiente, bem-estar, saúde e educação, com notas em
uma escala de zero a dez.“O aplicativo MyFunCity permite que cada usuário
avalie exaustivamente sua rua, seu bairro e sua comunidade, em categorias como
saúde, educação, transporte, poluição (sonora e visual). É possível interagir
com os demais cidadãos e analisar cada região em detalhes”, explica.
Para
Motoryn, a 25ª posição do Brasil no ranking da felicidade mundial remete as
falhas gritantes do país em relação a questões sociais.“A gente não pode
confundir um país alegre com um país feliz do ponto de vista daquilo que recebe
do Estado. Ou seja, nós temos deficiências graves na área da saúde, por
exemplo, e isso inclui decisivamente na colocação no ranking”, diz. “Mas acho o
brasileiro um povo extremamente feliz. Diante das adversidades, ele continua e
acredita que o amanhã será melhor”, acrescenta.
Ao
que tudo indica, os governantes brasileiros sabem que os parâmetros estão
mudando e se mostram preocupados com esta felicidade a medir. A proposta de
transformar o tema em política pública já está tramitando no Congresso Nacional
por meio da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 19/2010, cujo relator é o
senador Cristovam Buarque (PDT-DF).